Ainda estou impactada com a beleza, energia e conexão que presenciei no show de Gil – Tempo Rei, em São Paulo. A música tem o poder de nos transportar no tempo, de evocar memórias e despertar sentimentos que remontam a minha infância, como escutar Domingo no Parque. Poucos artistas brasileiros conseguem fazer isso com tanta maestria quanto Gilberto Gil. Com a turnê “Tempo Rei”, que está percorrendo o Brasil em 2025, Gil celebra sua trajetória e diz que pretende encerrar sua carreira nos palcos. É esperar para ver que isso acontecerá.
Ao mesmo tempo, Gil oferece ao público uma imersão em temas universais: o tempo, a vida, o legado. Mas por trás das canções, do palco e da poesia, existe um enredo poderoso que conecta inovação e pessoas – dois pilares fundamentais de qualquer projeto grandioso.
A genialidade de Gil: criatividade que se reinventa
Gilberto Gil é, por si só, uma usina criativa. Aos 82 anos, mantém uma vitalidade artística que inspira gerações. A turnê Tempo Rei não é apenas uma celebração de sua obra; é um convite à reflexão sobre o tempo como mestre, sobre a continuidade da vida e das ideias. O repertório foi cuidadosamente escolhido para dialogar com diferentes fases de sua trajetória, mas também para conversar com o público contemporâneo, que vive em uma era marcada pela aceleração, pela transformação e pela busca de propósito.
Essa reinvenção constante é, em si, um ato de inovação. E Gil nos ensina que inovar não é apenas adotar tecnologias de ponta ou criar algo nunca antes visto – é olhar com profundidade para o que já existe e transformá-lo com significado. É nesse ponto que a turnê se torna ainda mais inspiradora: ela carrega inovação não apenas no conteúdo musical, mas em toda a sua concepção e estrutura.
Pessoas no centro: o segredo por trás de uma grande turnê
Ao olharmos para os bastidores da turnê, encontramos um verdadeiro ecossistema de talentos. Produtores, músicos, técnicos, gestores, designers, engenheiros de som, roteiristas, assistentes e familiares — todos formam a engrenagem que movimenta esse espetáculo.
Uma matéria da Veja SP revelou detalhes fascinantes sobre a organização dessa maratona de shows: são mais de 30 músicos no palco, muitas das quais acompanham Gil há décadas. Essa constância nas relações mostra que a construção de algo memorável é, antes de tudo, um exercício de confiança, conexão e respeito mútuo.
A inovação acontece nas relações. É nesse espaço humano que ideias ganham vida, que ajustes são feitos em tempo real, que a escuta ativa prevalece e que o coletivo se sobrepõe ao ego. Como diz o próprio Gil em entrevista: “A beleza do tempo está na continuidade e na partilha”.
A família como força criativa e organizadora
Outro aspecto inspirador da turnê é a presença marcante da família. A direção musical é de Bem Gil, filho do artista, que também integra a banda ao lado de outros familiares. Integram o show Nara Gil, filha, Mariá Pinkusfeld, nora casada com o filho de Gil, José Gil, além da presença da neta que cantou em algumas edições, Flor Gil.
Essa escolha vai muito além do afeto: é uma decisão estratégica e simbólica. Colocar a família no palco e nos bastidores mostra que o processo criativo pode ser um espaço de intimidade, confiança e continuidade de valores. Isso é liderança afetiva na prática — uma liderança que reconhece os talentos, respeita o tempo de cada um e se apoia no vínculo para criar algo maior do que o indivíduo.
A cenografia como linguagem: a espiral do tempo
Ao entrar no teatro ou arena onde acontece a turnê Tempo Rei, uma imagem imediatamente chama a atenção: uma enorme espiral de LED suspensa sobre os músicos, projetando luzes e movimento sobre o palco. A ideia, concebida por Daniela Thomas, é mais do que um elemento visual — é uma metáfora viva da própria essência do espetáculo.
Daniela declarou que não é esotérica, mas foi justamente a espiral, símbolo ancestral de evolução, de ciclos e de transformação, que deu forma ao que o show representa: um giro contínuo no tempo, uma viagem entre passado, presente e futuro, conduzida por Gil. A espiral é o tempo em forma visível, envolvendo a plateia e os músicos numa experiência sensorial que transcende a música.
A escolha dessa cenografia não é decorativa — é uma narrativa visual que conversa com o repertório, com os arranjos e com os discursos poéticos do artista. É inovação aplicada à linguagem do palco, onde cada elemento comunica.
A força das imagens: projeções como parte da experiência
Somando-se à cenografia, a turnê também faz uso criativo e simbólico das projeções visuais. Em vários momentos do show, imagens de Gil em outras fases da vida são exibidas em telas e painéis de LED, gerando uma conversa entre o Gil de ontem e o de hoje. Em outros trechos, registros históricos, paisagens, elementos da cultura brasileira e abstrações visuais acompanham as músicas.
Essas projeções não são apenas bonitas — elas ampliam a camada interpretativa do espetáculo, dando ao público uma experiência imersiva que conecta som, imagem e emoção. Em um tempo onde a atenção é disputada segundo a segundo, esse recurso revela como a tecnologia pode ser aliada da sensibilidade artística, quando usada com propósito.
A gestão por trás da arte: rigor, planejamento e fluidez
Uma turnê nacional como esta exige muito mais do que sensibilidade artística. Há um sistema de gestão altamente articulado por trás de cada show: logística de transporte, hospedagem, alimentação, montagem de palco, segurança, comunicação, contratos, patrocínios, cronogramas e alinhamentos técnicos.
Essa complexidade só se sustenta com processos bem definidos e times coesos. O que nos leva a um ponto essencial: a inovação só emerge quando existe estrutura para sustentá-la. O improviso tem seu lugar, mas é a combinação entre planejamento e abertura ao novo que faz com que tudo funcione com leveza.
A inovação no campo da cultura — e especialmente na música ao vivo — é uma dança constante entre o previsível e o inesperado. Gil e sua equipe dominam essa arte com maestria.
Propósito e legado: a inovação como continuidade de sentido
Gil não está apenas cantando suas músicas. Ele está compartilhando uma visão de mundo, um modo de viver e de se relacionar com o tempo e com a vida. O show é, na essência, um manifesto sobre legado: o que deixamos, para quem deixamos e com que intenção.
Em tempos de transformações aceleradas, onde tantas organizações e líderes buscam inovação como diferencial, é fundamental lembrar que o verdadeiro valor da inovação está no propósito que a sustenta. Gil mostra que o tempo pode ser um aliado — quando é vivido com coerência, escuta e conexão com as pessoas.
O palco como espaço de protagonismo coletivo
Ao assistir este show um dos pontos que se destacou para mim não foi apenas o carisma de Gil, mas a presença viva de todos que estão com ele. Cada músico tem seu momento de destaque. Há espaço para improvisos, para risos, para trocas de olhares. Isso revela uma cultura de protagonismo que raramente vemos em estruturas hierárquicas convencionais.
Em vez de centralizar tudo em si, Gil distribui brilho. Ele nos ensina, no palco, como o líder inovador é aquele que cria espaço para que outros floresçam. Essa é uma lição preciosa para qualquer organização que queira cultivar inovação real. Cada espetáculo tem trazido outros músicos com destaque nacional para dividir esse palco tão desejado.
O tempo como aliado na construção de cultura
A turnê é também um testemunho de como o tempo é um aliado poderoso na construção de cultura. Anos de convivência, experiências acumuladas, repertórios partilhados e aprendizados contínuos formam uma base sólida para a inovação.
Cultura não se impõe; cultura se constrói com o tempo, na prática cotidiana, nos pequenos gestos e nas grandes decisões. E é por isso que a longevidade de Gil não é apenas biológica — ela é simbólica. Representa a permanência de uma visão que une arte, pessoas e propósito com beleza e consistência.
O que aprendemos com “Tempo Rei”
Gilberto Gil, com sua trajetória e com essa turnê tão sensível e potente, nos oferece mais do que um espetáculo. Ele nos entrega uma aula sobre o tempo, sobre a importância das pessoas, sobre a liderança sensível e sobre a inovação que nasce da escuta e do afeto.
Se quisermos inovar nas empresas, nas comunidades, nos projetos ou em nossas próprias vidas, precisamos olhar para esses exemplos. Entender que a inovação é uma construção coletiva, sustentada por vínculos, histórias, escuta e coragem de seguir mesmo quando o tempo parece incerto.
Vivemos um tempo de rupturas e reinvenções. Mas também vivemos um tempo onde a humanidade precisa se reconectar com o essencial. Gil nos mostra que é possível atravessar as décadas com leveza, com ética, com arte. E, sobretudo, com pessoas por perto.
Esse grande espetáculo é um lembrete de que não inovamos sozinhos. Que toda grande criação é sustentada por uma rede. E que, no fim das contas, o maior presente que o tempo nos dá são os encontros — e o que fazemos com eles.